ler nas entrelinhas
Imagino que a primeira tela que se apresenta para uma leitura do mundo seja o ventre da mãe. É a partir dali, daquele ponto, daquele princípio de vida na matéria que é oferecida a possibilidade primordial para o leitor do mundo: o afeto.
Ler o mundo a partir do bem-querer é querer bem ao mundo. É sentir-se integralmente conectado ao que está a sua volta. Muito antes de decodificar letras, processar símbolos, signos, significados, a leitura já começa a ser saboreada. Toma forma, cor, textura. A tela é a pele, é o tato. A tela é o olfato. Ler tem cheiro de sensações, de memória sendo formada, de vida pulsando em palavras.
A primeira leitura do mundo se faz em minúcias, como uma espécie de secreto braile. Transcreve-se em um código tátil de carinho quando, ainda no ventre, o acariciar da mão sobre a barriga grávida é percebido pela pressão, pelo ondular, pela temperatura. O amor fica estampado nas fibras do vestido, já gastas de tanto afago.
Se a primeira fase ainda é contida pelo entorno placentário, logo na primeira infância a criança já lê de tudo: pedra, sorriso, estrondo, sono, chuva, calor.
Que possamos criar crianças sem medo, capazes de, no futuro, lerem a poesia da realidade.
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*o anjinho de miçangas foi um presente feito com carinho pelas mãos caprichosas da amiga Taísa.